segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O melhor lugar do mundo - Alcides Buss

Caros leitores,

Prometi que traria um outro poema de Alcides Buss, que é um poeta que iniciou carreira em Jlle, mas que hoje vive na capital. A poesia do Alcides é de muita qualidade. É possível encontrar na rede muita crítica positiva a respeito de seu trabalho. Quem tiver interesse procure por ele. Com certeza, em algum momento se sentirá tocado como eu me senti com este poema, abaixo.

Abraços,

Atanael




O MELHOR LUGAR DO MUNDO

O melhor lugar do mundo
é onde
           se pode estar
com a alma pra fora.

Podia ser aqui, não fosse
              o agora.

Podia ser lá, não fosse
              outrora.

O melhor lugar do mundo
é este
         em que o corpo
se deixa ir
         no sentido oculto
e se deixa achar
         no silêncio furtivo.

O melhor lugar do mundo
precisa de olhos e ouvidos
que se lembrem
                        de tudo,
esquecidos de você.

Alcides Buss

Alcides Buss: Mercedes, La Negra


Caros,

Estava procurando alguns poemas do também catarinense Alcides Buss e me deparei  com uma homenagem que ele fez para alguém sobre qual já falei aqui, Mercedes Sosa, ou seja La Negra, como é carinhosamente chamada na Argentina, sua terra natal, ou no Chile, onde também é muito querida. Fiquei muito feliz por saber que este poeta, a quem admiro muito, também soube apreciar a voz, a personalidade, a sensibilidade e a busca por uma América Latina mais receptiva, mais híbrida e valorosa como Mercedes cantou em Eu só peço a Deus, aqui no Brasil, num dueto com Beth Carvalho. Mercedes soube cantar os seus, entoar o verdadeiro canto da América, como fala Alcides em seu texto. Deixo o link (http://www.youtube.com/watch?v=WyOJ-A5iv5I) para que vocês possam acessar a música que ele menciona em sua homenagem póstuma, no poema Mercedes, La Negra. A música é intitulada Gracias a la vida. Quanto aos textos de Alcides Buss, posto em breve para que vocês possam conhecer o poder das palavras deste homem.

Abraços, meus queridos,

Atanael


MERCEDES, LA NEGRA
Graças à vida, você
de verdade existiu.

Graças à vida, você
de verdade entoou
o canto da América.

Graças à vida, você
dividiu de verdade
a palavra amar;

dividiu de verdade
a palavra justiça;

dividiu de verdade
a palavra querer.

Graças à vida, você
ergueu a ficção
de fazer-nos saber
que somos irmãos.

Graças à arte, você
de sonho se fez
pra todos, pra sempre,
verdade da vida.

Alcides Buss

Lindolf Bell - O Poema do Andarilho


Amigos,

A poesia belliana ainda é pouco conhecida entre os brasileiros, e até mesmo entre os seus conterrâneos catarinenses. Apesar disso, vale conferir o que esse poeta foi capaz de traduzir a respeito dos sonhos. Fica para vocês O Poema do Andarilho.

Abraços,

Atanael


O POEMA DO ANDARILHO

I
Menor que meu sonho
não posso ser

Mil identidades secretas.
Mil sobras, sombras, mil dias.
Todas palavras e tudo.
Barco de ambigüidade,
sôfregas palavras.
De todas contradições, desencontros,
dos contrários de mim,
andarilho da flecha de várias pontas, direções.
Dos outros seres
que também andarilham.

Pois menor que meu sonho
não posso ser

Andarilho
de ervas sutis
crescidas de noites luzes
becos latinos frêmitos Andes ilhas.
Andarilho
de santos falidos, feridos
de vaidade.
Dos frutos da segurança vã,
vã beleza de repente solidão.

Feitiços, laços, encantamentos.
Prodígios, Tordesilhas, ressentimentos.
Andarilho de perder pele, asa e uso,
mariposa da lua difusa do amanhecer.
Andarilho
de paisagens precárias do sentimento
guardado a sete chaves,
não fotografável,
nem desvendável em câmaras escuras, secretas torturas,
ou à luz de teus olhos surpresos, presos
nos meus olhos, ilhas.
Pois menor que meu sonho
não posso ser


Andarilho.
De insignificâncias magníficas colheitas do nada.
De tudo que ninguém se lembra
nem nunca escreveu.
De uma nuvem veloz reflexo de outra nuvem
andarilha nuvem do sul
de onde vem a luz,
andarilho.


Crescem em mim as palavras sensações mais estranhas
e andarilham.
Arrulho de palavra pousada ave
sobre um minuto de trégua e milagre do tempo
quando o sol se põe atrás do horizonte inquieto
do dicionário
e da dúvida:
armadilha.

na saliva na garganta
na palavra escrita primavera
na capa de um caderno antigo
do Grupo Escolar Polidoro Santiago de Timbó
andarilho de linhas esquecidas tortas velhas trilhas
datas de nascimento e burlescos aniversários
andarilho andorinha
em ziguezague na festa
na face de Deus.

Aos trancos e barrancos, andarilho.
De trincos e garimpos, andarilho.
Andarilho de desafios, desafinos.
De socos recebidos e raros revides,
de atonias em atrofias, andarilho.

Andarilho.
Na diferença palpável da volúpia.
De assédios, impertinências, ideologias.
De recalques,
decalques, vídeos, celulóides, fitas
gravadas da liberdade,
gravatas, contatos, contratos,
andarilho.

Pois menor que meu sonho
não posso ser.


II
Empoleirado em minha gaiola de ineficiência,
andarilho.
Longe de grandes e confortáveis salas
da subserviência, andarilho.
Transitivo, substantivo, adjetivo.
Solto na correnteza do medo, da instabilidade
de tudo, na multidão de afetos.
Eu, claro enigma: sete palmos de terra,
sagrado sopro de todo o sentimento.
Eu, quebrado espelho d’água de Narciso
e fogo de Orfeu entre a paixão
e o definitivo tempo.

Eu estranho a maioria das vezes
na própria terra do poema
onde me sedimento, acidento,
me desencaminho, me aninho,
me enovelo em trama de pouco, em menos,
em quase nada
e mesmo assim andarilho.

Pois menor que meu sonho
não posso ser

eu matéria recalcitrante do futuro.
Eu a nação inteira sob o impacto do sonho.
Eu dissecando a morte sobre a mesa da manhã.
Eu onipresente e diluído na dor geral.

III
Fechei meu expediente da comoção fácil.
Corretores da insegurança:
deixai a sala de frente da precariedade.

Atravesso jejuns, desdéns,
indecisões, hospedarias do tempo.
A luz acesa de hotéis bordéis pobres e mal cheirosos
suicídios alheios pleonasmos.

Atravesso anúncios
e antenas.
Os homens apressados do século XX
e sua matéria veloz de sobrevivência atravesso.
A rua que antes atravessei atravesso outra vez
e a praça onde contornei a liberdade
da palavra
e da liberdade.
volto a atravessar.

Pois menor que meu sonho
não posso ser

Atravesso cartazes de cinema
ofertas do dia de supermercados.
Estádios de futebol, sirenes que falam
de morte inventada em subterrâneos sombrios.
Atravesso lianas, liames, hienas, reconciliações,
pecados capitais e provincianos ais.

Atravesso manchetes
de maré cheia, crescente de vazantes mares,
absurdas frases e as mais absurdas caligrafias,
atravesso sentidos sem sentido nenhum, de repente,
onde me decifro e hieróglifo.

Vácuos, opalas, opalinas, vícios.
Mesuras, curvaturas, arbítrios, alienações.
Tudo atravesso.
Atravesso a casa dos ventos uivantes.
O assombro, a censura,
a navalha na carne.

Atravesso o crime perfeito, utopias,
as profecias todas do país das falas guaranis,
guaranás.

Pois menor que meu sonho
não posso ser

IV
Não afino com instrumento
que se toca à distância
Não proponho propostas de diluição
Não sou agente do vazio
nem de asas que o homem não tem

Se acreditais em sistemas de elocubração
Na gema brilhante do nada
Em recheio de palavras e sofisticados relatórios
Se acreditais em clara batida
nas panelas obscuras da prepotência
Se quereis teorias de mim
Se me quereis longe da paixão:
tirai o cavalo da chuva

Pois menor que meu sonho
não posso ser.

V
Passa o tempo.
Como passa, passou o tempo.
oh! frase feita,
inútil consolo e alívio.

Passo este tempo que me passa.
Passo pontos de interrogação, helespontos,
helespantos.
Passo a ponte, o poente.
Deliberadamente passo
mas sem pressa, passo
a passo.
Passo os fusos horários
e passeio entre o sonho
e as palavras.

Também entre as obscenas por decreto.
Pois menor que meu sonho
não posso ser.

VI
Atravesso compêndios, currículos, apostilas
de silêncio
e minha sombra pisada
por outra sombra
também feita de tudo
e nada
Atravesso simulacros
e arranco o lacre da palavra

Pois menor que meu sonho
não posso ser

atravesso o avesso
E meu barco de travessias
é a palavra terra
cercada de água por todos os lados

Pois menor que meu sonho
não posso ser

Estou do lado de lá da ilha
Aqui disponho de mim
e conheço meu próprio acesso
Aqui conheço a face inversa da luz
onde me extravio
e não cessarei jamais

Pois menor que meu sonho
não posso ser.


(O CÓDIGO DAS ÁGUAS - 1984 )

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Mercedes Sosa - Volver a los 17


Caros,

Li esta frase em um comentário virtual a respeito da música que trago abaixo e resolvi colocar aqui. Diz assim:

"El Amor es la más grande de las manifestaciones de nuestro Creador. De hecho: Dios es Amor.
Dice Violeta Parra que "el Amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes". Es verdad, así lo siento. ¡Viva el amor!
Todo lo que duele es ego, nunca Amor. ¡Viva el amor!

A todos vocês que prezam por música de qualidade fica aí uma da nossa saudosa Mercedes Sosa, uma das maiores intérpretes da música latina que já vi em toda minha vida. Amo a Mercedes e sua música. Fica o link para vocês conferirem e perceberem que não estou exagerando.



Abraços,

Atanael


Volver A Los 17

Mercedes Sosa

Composição: Violeta Parra
Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
Es como descifrar signos sin ser sabio competente,
Volver a ser de repente tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo como un niño frente a dios
Eso es lo que siento yo en este instante fecundo.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

Mi paso retrocedido cuando el de usted es avance
El arca de las alianzas ha penetrado en mi nido
Con todo su colorido se ha paseado por mis venas
Y hasta la dura cadena con que nos ata el destino
Es como un diamante fino que alumbra mi alma serena.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

Lo que puede el sentimiento no lo ha podido el saber
Ni el más claro proceder, ni el más ancho pensamiento
Todo lo cambia al momento cual mago condescendiente
Nos aleja dulcemente de rencores y violencias
Solo el amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

El amor es torbellino de pureza original
Hasta el feroz animal susurra su dulce trino
Detiene a los peregrinos, libera a los prisioneros,
El amor con sus esmeros al viejo lo vuelve niño
Y al malo sólo el cariño lo vuelve puro y sincero.

Se va enredando, enredando
Como en el muro la hiedra
Y va brotando, brotando
Como el musguito en la piedra
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

De par en par la ventana se abrió como por encanto
Entró el amor con su manto como una tibia mañana
Al son de su bella diana hizo brotar el jazmín
Volando cual serafín al cielo le puso aretes
Mis años en diecisiete los convirtió el querubín.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A ESCOLA QUE EU QUERO.


Li e senti desejo de compartilhar com vocês:

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Rubem Alves

Amarelo Manga: A verdade que reluz

Amigos,

Não faz tempo que eu assisti ao filme AMARELO MANGA, dirigido por Claúdio Assis, e fiquei embasbacado. Isso devido à coragem do cara, que em pleno seu trabalho de estreia, numa perspectiva totalmente inovadora, consegue abordar situações muito intrigantes do cotidiano de uma grande cidade.
Com uma sinceridade própria de quem vive a realidade da cidade do Recife ou de qualquer metrópole brasileira, o filme tem como protagonista o povo, sujeito de uma realidade um tanto antagônica para mostrar nas telas do cinema. Mas o diretor o faz. Faz com tanta precisão que chega a causar repugnância em diversos momentos. Como disse o próprio diretor, Amarelo Manga é um soco no estômago.
O enredo desenrola em torno de pequenos núcleos, com personagens marginalizados, sim, mas cada qual com uma história única. Apesar de trazer em seu elenco atores que já trazem no currículo muitos outros trabalhos na linha cult, como Chico Diaz, Dira Paes, Matheus Nachtergaele, Leona Cavalli, entre outros, vale dizer que é necessária muita coragem para assiti-lo. Mas quem consegue tem a oportunidade única de discutir um dos melhores filmes dos últimos tempos, e que tem o amarelo como a grande metáfora, como que sendo a verdade reluzente das coisas gastas, citado também na obra como exemplo de tudo que não presta: doenças, feridas, dentes podres, enfim como muitas vezes deve ser encarada a verdade.
Quem, no entanto, espera um final "fechadinho", ou não conseguiu adentrar na atmosfera que o diretor conseguiu imprimir ao enredo ou vai mais uma vez se surpreender. Pois a intenção de Cláudio Assis, com certeza, foi fazer um cinema visceral, e isso consiste em intrigar o espectador e fazê-lo inferir a verdade presente na obra a seu modo: vermelho, azul, verde, AMARELO...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

HOMENAGEM A UMA JOINVILLE MAIS CONSCIENTE E COLETIVA


Caros joinvilenses e amigos leitores,
Moro aqui e sou muito grato a esta terra que me viu nascer. Foi aqui que aprendi que somente depois de uma grande batalha é que teremos o que almejamos. Como que um paradoxo também posso dizer, que apesar de viver numa cidade tão dinâmica, foi convivendo com joinvilenses que aprendi também que devagar se vai ao longe. Parabéns adiantado, minha querida cidade e parabéns, também, a todos que fazem deste lugar um espaço único, em constante transformação, e que deve ser respeitado.
Abraços,
Atanael

Prestes a completar 160 anos de idade, Joinville, no melhor dos sentidos, está no frescor de sua juventude. Digamos que esteja vivendo os conflitos próprios de sua adolescência, tentando criar uma imagem de si, que a propague, que sirva de ponto de partida do âmbito local para o universal. Torçamos, então, para que Joinville ganhe o mundo, para que ultrapasse alguns obstáculos e consiga driblar uma mídia local que a projeta como sendo a “cidade do norte”, pois trazer nos ombros o peso de ter uma irmã mais velha, menos rica e oportunista tem sido considerável, mas Joinville sobrevive há décadas, escondidinha, sem se dobrar, mais para não causar atritos, para não envergonhar quem quer que seja com a sua pujança.
É assim também seu povo. Donos de uma discrição, educação e um dinamismo invejável, os joinvilenses nascidos e os que a adotaram vêem sua cidade crescer para todos os lados. A cidade das indústrias, da dança, das flores, dos príncipes e das bicicletas, vai se tornando cada vez mais cosmopolita, um pólo de negócios, uma cidade universitária. É neste século que ela decide para onde vai crescer, ganha o status de cidade grande ao atingir a marca dos 515.288 habitantes e torna-se a maior cidade de interior do sul do Brasil.
Mas Joinville, apesar de estar ficando cada vez mais conurbada com outras cidades, tal qual Peter Pan, não quer crescer. Há quem diga se tratar de uma grande cidade pequena, o que, diga-se de passagem, antes de ser um paradoxo, é também um charme. No entanto, deixe que os fatos falem por si, afinal a sua paisagem propaga todos os seus conflitos. Andar por ela, nos tempos em que vivemos, exige destreza e boa vontade, pois apesar de ter a quarta maior malha de ciclovias do Brasil, disputam as ruas com as inúmeras bicicletas quase 300.000 veículos em vias cada vez mais abarrotadas, e que exigem de seus governantes um olhar mais arrojado, no que diz respeito a construções de elevados e duplicações de avenidas. Apesar disso, é preciso saber olhar...
Cada vez mais verticalizada, a cidade guarda em suas avenidas e ruazinhas segredos que esperam ansiosamente serem contados por alguém à sua altura, como fez Mário Quintana com Porto Alegre, Drummond com Itabira e Cora Coralina com seu velho Goiás. Talvez, por seu crescimento tão acelerado não houve alguém tão corajoso assim na poesia, mas que não se pode falar o mesmo em se tratando de cinema, como fez Rodrigo Falk Brum com o curta Sob o céu de Joinville (http://www.youtube.com/watch?v=LqoA4LKfrH4&feature=related), ao narrar, como num poema cubista, o cotidiano desta cidade mágica e linda que conhecemos. As nuances captadas pelo cineasta são de perder o fôlego. No curta apresenta-se uma Joinville que nem sempre, na fadiga do dia a dia, conseguimos perceber. Quem traz em sua essência o “ser joinvilense” não consegue ficar indiferente ao que vê neste curta. É impossível não se orgulhar pela beleza da cidade, acordar-se para o bucolismo das flores, para exuberância da mata atlântica que a entrecorta todo seu território, extasiar-se pela poesia de nossa chuva, rememorar a sua história pelos seus monumentos históricos, impactar-se com a imponência de seus prédios que insistem em subir cada vez mais, perceber suas ruas limpas, impecáveis, sua riqueza... Mas, por outro lado, é possível entristecer-se com a desigualdade social, os pobres escondidos nas imensas periferias da cidade, sim, porque nossa cidade também sabe muito bem esconder aquilo que não dá conta. Quem tem consciência das mazelas provocadas pelo mundo capitalista, emociona-se, quando, por metonímias, o vídeo mostra esses aspectos: pés calçados/pés descalços, avenidas e ruas floridas/becos e manguezais, zona norte/zona leste, etc. A diversidade de horizontes e/ou a falta deles é muito bem trabalhada pelo cineasta e chega a chocar.
Sob outro aspecto, ao considerarmos que o meio social joinvilense, há pouquíssimo tempo atrás, oferecia aos seus um universo restrito, que se limitava entre a ida e volta ao trabalho durante a semana, ao passeio em um Shopping Center ou uma noite na danceteria, que não eram muitas, fica clara a evolução da cidade que desabrocha a olhos vistos. Hoje, no entanto, vemos os filhos da cidade industrial de outrora participantes e donos de uma cultura híbrida, que se vestem bem para ir ao teatro, e que querem ficar até ao fim para discutir o enredo e a encenação da peça. Temos teatro itinerante, encenados em galpão, na associação de moradores de bairros, nos ônibus, e entre outros mais inusitados lugares. A maior escola técnica da cidade, numa perspectiva um tanto inusitada, ensina teatro, leva estudantes ao museu e discute literatura. E tem muito mais para quem deseja: discussão de filmes na Univille ou no Sesc, visitas a galerias de Arte e Museus, Teatro na Cidadela, Feiras culturais e técnicas, Festival de Dança, Recitais, shows. O resultado de tudo isso é um joinvilense mais eclético e preocupado com as causas sociais.
Não é possível, também, mais pensar uma Joinville sem a Via Gastronômica, sem seus restaurantes de altíssimo padrão, assim como se pode lamentar o pouco empenho dos últimos governos na construção de parques urbanos, uma vez que só agora sairá o primeiro deles: o Parque da Cidade. Os parques não são para os turistas, apenas. Os maiores beneficiados são os próprios joinvilenses. Não tem preço o prazer que sente um trabalhador que ao chegar cansado da labuta cotidiana pode ir a um parque com seu filho se exercitar. Assim como nos finais de semana, é gratificante mais uma possibilidade, bem mais sadia, que o passeio em shoppings centers. Se quisermos uma Joinville mais participativa e feliz, é necessário começar por aí. Espaços abertos como esses a que nos referimos, temos hoje as praças com academias, onde temos visto cada vez mais crianças felizes, pais e mães se socializando e dando mais vida a nossa já vigorosa Joinville.
Foto: Kátia Nascimento/Secom
A Joinville que quer ganhar o mundo também deve investir nos esportes. Apoio aos atletas e escolinhas nos bairros, para famílias de baixa renda, devem ser pensadas urgentemente. Os joinvilenses são loucos por esportes. Basta ir aos jogos de basquete no Ivan Rodrigues e aos jogos do Jec na Arena Joinville para se ter idéia da vibração dos torcedores. Ele quer participar, quer elevar o nome de seu time, assim como no seu consciente/ inconsciente quer construir redes sociais e hibridar culturas. Pensar espaços amplos e agradáveis para seu povo é investimento certo, por parte de seus governantes, para que a cidade cresça de forma sadia. O término da 3ª fase da Arena e a construção de um grande ginásio próximo a ela é de grande valia nesse momento em que seu povo quer “fazer parte”. Afinal, como já disse Maurice Halbwachs, o homem se caracteriza essencialmente por seu grau de integração no tecido das relações sociais.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Canção - Cecília Meireles


Pessoal,

Estou aproveitando o momento em que ainda não estou pilhado de coisas a fazer para postar uns textos que curto muito. Sei lá, escolhi este poema porque acho que estou um pouco melancólico (mas feliz). Além disso, confesso que acho Cecília Meireles o que há de melhor em se tratando de poesia. Ler a sua biografia foi um momento único em minha vida.

Fiquem com Deus,

Atanael 


Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar


Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.


O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...


Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.


Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


Cecília Meireles

A Terceira Margem do Rio - Guimarães Rosa

Amigos Leitores,

Guimarães Rosa é o cara. Mas seu conto A terceira margem do rio é simplesmente bárbaro. Li ele na faculdade ainda, mas guardo-o com todo apreço até hoje. Já encenamos ele, acredito até que os alunos já colocaram no Youtube. Se eu conseguir o link, posto para vocês. Enquanto isso, fica na íntegra o conto abaixo.

Abraços,

Atanael



A Terceira Margem do Rio
Guimarães Rosa
Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.



Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 32, cuja compra e leitura recomendamos.

Tudo sobre o autor e sua obra em "
Biografias".

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Período Modernista - O Manifesto Futurista

3ª SÉRIE - LITERATURA

1ª POSTAGEM


Caros estudantes,

Trouxe para vocês o Manifesto Futurista, publicado pelo  italiano Tommaso Marinetti no jornal parisiense Le Figaro em 22 de fevereiro de 1909. O manifesto vinculava a arte à nova civilização técnica, combatendo com veemência o tradicional, propunha uma literatura baseada na exaltação da agressividade e da audácia e exaltava também a guerra e o militarismo, as fábricas e as máquinas, o nacionalismo e a discriminação da mulher. Por mais que isso pareça um tanto rude e retrógrado para o tempo em que vivemos, devemos lembrar que este homem viveu no período do Modernismo, e que este período foi marcado por grandes transformações na vida de quem o vivenciou, pois fez surgir uma série de manifestações humanas, sendo que algumas delas nem foram tão plausíveis assim. Leia com atenção o manifesto e atente para o que é pedido a vocês abaixo dele. Ah, deixo também um link para vocês assistirem um pouquinho do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, e entenderem (ou rirem)  um pouquinho sobre a dinâmica da época.

 http://www.youtube.com/watch?v=XFXg7nEa7vQ

Abraços,

Atanael

Manifesto futurista

[F.T. Marinetti]
 
1.    Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2.    A coragem, a audácia, a rebelião, serão elementos essenciais da nossa poesia.
3.    Até hoje, a literatura exaltou a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insónia febril, o passo de corrida, o salto mortal, a bofetada e o sopapo.
4.    Declaramos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida com a carroçaria enfeitada por grandes tubos de escape como serpentes de respiração explosiva… um carro tonitruante que parece correr entre a metralha é mais belo do que a Vitória de Samotrácia.
5.    Queremos cantar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada, por sua vez, em corrida no circuito da sua órbita.
6.    O poeta terá de se prodigar, com ardor, refulgência e prodigalidade, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7.    Não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser considerada obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas, para reduzi-las a prostrar-se perante o homem.
8.    Estamos no promontório extremo dos séculos!… Porque deveremos olhar para detrás das costas se queremos arrombar as misteriosas portas do impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós vivemos já no absoluto, pois já criámos a eterna velocidade.
9.    Nós queremos glorificar a guerra, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias por que se morre e o desprezo da mulher.
10.    Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo o tipo e combater o moralismo, o feminismo e todas as vilezas oportunistas ou utilitárias.
11.    Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela revolta; cantaremos o vibrante fervor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas eléctricas; as gulosas estações de caminho-de-ferro engolindo serpentes fumegantes; as fábricas suspensas das nuvens pelas fitas do seu fumo; as pontes que saltam como atletas por sobre a diabólica cutelaria dos rios ensolarados; os aventureiros navios a vapor que farejam o horizonte; as locomotivas de vasto peito, galgando os carris como grandes cavalos de ferro curvados por longos tubos e o deslizante voo dos aviões cujos motores drapejam ao vento como o aplauso de uma multidão entusiástica.

  • AGORA É A VEZ DE VOCÊS. EM RELAÇÃO A QUE ASSUNTO VOCÊS GOSTARIAM DE SE MANISFESTAREM? PENSEM A RESPEITO DAQUILO QUE LHES VEM INCOMODANDO NOS DIAS ATUAIS E FAÇAM O SEU MANIFESTO. DISCUTAM E CHEGUEM A UM CONSENSO. O MANIFESTO DEVE SER ELABORADO EM GRUPO POR NO MÁXIMO 4 ESTUDANTES E POSTADO AQUI A EXEMPLO DO QUE FIZ COM O DE MARINETTI.
Bom trabalho



O Pequeno Polegar - Ainda sobre a memória coletiva

Amigos,

Quando buscamos avidamente por algo, acabamos por deixar outras coisas e principalmente pessoas queridas importantes pelo caminho, sempre. Às vezes somos julgados, às vezes não somos compreendidos por aqueles que outrora dispensávamos a atenção que lhes era devida. Não sabemos o que pode se passar na cabeça de quem espera por nós, porque estamos focados e não nos vemos nesse momento, mas isso não quer dizer que esquecemos de quem nos foi e será sempre grato. Quando li este trecho do livro A memória coletiva, lembrei-me de mim, dos meus, da minha caminhada, mas imaginei, principalmente, as impressões que possam ter as pessoas queridas com quem convivi mais intensamente no passado e que hoje não as vejo mais, pelo menos com frequência. A busca pelo ser alguém ou até por ganhar a vida, não apagará essas pessoas que estão internamente ligadas a nós enquanto houver memória. Eis o trecho do fenômeno Maurice Halbwachs:

"Quando foi abandonado por seus pais na floresta, o Pequeno Polegar certamente pensou nos pais, mas muitos outros objetos lhes foram oferecidos: ele seguiu uma ou mais trilhas, subiu numa árvore, viu uma luz, se aproximou de uma casa isolada etc. Como resumir tudo isso na simples observação: ele se perdeu e não encontrou mais os pais? Se tivesse seguido outro caminho, se tivesse encontrado outras pessoas, o sentimento de abandono seria o mesmo - mas ele teria guardado lembranças muito diferentes."




Sobre a Memória Coletiva


Caros Leitores,

Estou lendo um livro para o mestrado intitulado A memória coletiva, de Maurice Halbwachs, que tem me feito anotar muitas trechos. O livro é interessante demais, e conceituá-lo em poucas palavras não está em meu alcance nesse momento. Mas só a biografia do autor deixou-me boquiaberto. Para quem gosta de memórias como eu vai gostar do que ele escreve, sobretudo, com a intenção de mostrar-nos que nossa memória individual está intimamente ligada a uma outra memória que é chamada de memória coletiva. Eis um trecho:

"Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que só nós estivemos envolvidos e objetos que só nós mesmos vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós. Não é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos de nós, porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem."

Maurice Halbwachs


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Pertencer


"Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos."

Clarice Lispector

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Reflexões sobre Linguagem, cultura e poder


1° Ano
Postagem Alternativa

Amigo Leitor,

Se você me lê, certamente também já percebeu que entendo a linguagem como sendo a responsável pela constituição do sujeito. Isso eu não descobri sozinho, foi lendo. Lendo, sobretudo as teorias de muitos linguistas, psicólogos, professores, sociólogos, entre outros. Mas tem uma desses que eu particularmente acho ser o Cara. Chama-se Vygotsky. Este teórico acredita que o homem só se torna sujeito a partir das suas relações sociais, ou seja, pela linguagem. Dentro desta perspectiva, acredita-se que desde que o homem nasce ele vai tecendo relações e construindo sua própria identidade. É a linguagem que organiza os processos mentais dos seres humanos, constituindo também os sentidos e significados que nós atribuímos a tudo que fazemos e a todas experiências que compartilhamos. Apesar de toda essa concepção integralizadora, vemos hoje uma ruptura a partir de um senso comum classificatório que prega a ideia de que o bom falante da língua portuguesa, em especial, é aquele que reproduz a norma culta. Será mesmo? Ora, lembremos de que a norma culta ensinada nas escolas é apenas uma dentre as inúmeras manifestações de linguagem e que foi a sociedade quem a escolheu para ser uma espécie de "norma superior", sendo ela uma espécie de critério para avaliar a forma que as pessoas falam. Essa norma é ainda a escolhida porque oferece a todos nós acesso a diferentes publicações, dando-nos ainda a oportunidade de ter acesso a um universo cultural socialmente privilegiado. Por conta de o domínio dela ser uma porta para o conhecimento acadêmico, para o maior sucesso escolar, em concursos, entrevistas e pelo fato de a mesma oferecer maior possibilidade de participação nas diversas esferas sociais, o uso da mesma também tem permitido equivocadamente a proliferação do preconceito linguístico. Para desmistificar esse advento, proponho-me a tratar aqui, a partir de situações históricas, a razão pela qual o nosso velho português tornou-se a língua oficial do Brasil. Vamos lá? Você já sabe que entre 1500 a 1822 o Brasil foi colônia de Portugal, mas talvez nunca tenha ouvido falar sobre a ideia de que a "nossa língua portuguesa" não resultou de um processo natural, mas sim, de uma imposição. É isso mesmo. Entre 1920 e 1930 o português ainda não era a língua predominante no Brasil, tendo em vista que aqui havia muitos imigrantes que não dominavam o idioma, sendo que viviam também de uma maneira confortável em relação à linguagem, porque tínhamos também no país diferentes jornais em diversos idiomas, que davam oportunidades aos mesmos de manterem contato com suas culturas. A serviço dessa população tão heterogênea tínhamos também as escolas estrangeiras onde as crianças falavam predominantemente a língua de seus pais. Apesar disso, havia uma dominação portuguesa, e em torno da língua desses dominadores ficaram os pressupostos de que ela se fortaleceu em torno de uma construção histórica, e que, portanto, não é fixa, natural e nem linguisticamente superior. Nesse sentido, vale dizer que a imposição do português foi fruto de uma violência simbólica, que desqualificou outras línguas variantes como o italiano, o alemão, o japonês, o tupi-guarani, entre outras línguas que eram faladas no território da colônia. Se levarmos em consideração a língua falada pelos nativos, na época, é fácil considerar a ideia de que a língua portuguesa aqui pegou, também, pelo fato de a língua indígena ser considerada uma língua pobre, simples, sem um passado literário, e que, por isso caracterizava como sendo instrumento também de um povo rude, de uma cultura primitiva. Em contrapartida, como lembra Gladstone Chaves de Melo, "a língua portuguesa era rica, complexa, maleável e possuidora de toda uma tradição literária". Fica aí subentendida que a língua portuguesa dos invasores e dominadores era superiora, e que a partir disso posto, o português ganhou mais força ainda para a sua expansão, de maneira que as populações indígenas abandonaram o tupi como língua materna e passaram a falar o idioma do seu dominador. Com esse contexto fortaleceu-se ainda mais o processo de aculturação, pois a imposição da língua impedia que os diversos grupos pensassem e agissem como gostariam. Foi um processo de homogeneização, ou seja, a língua portuguesa foi definida como um processo de desqualificação, de exclusão. Para acirrar ainda mais tudo isso, a partir do século XIX, uma série de iniciativas, objetivando a uniformização da língua nacional por meio da imposição do português foram adotadas. Dentre essas iniciativas, podemos destacar a construção de gramáticas e dicionários, a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa nas escolas e o fechamento de escolas estrangeiras, além da criação de leis que pudessem garantir a imposição do português a toda a população. No início do século XX ficou claro o uso da escola como instrumento de normatização da língua, no entanto os PCN´s de Língua portuguesa de 5ª a oitava série assinalam: "Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma "correta" de falar, o de que a fala de uma região é melhor , de que é preciso "consertar" a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas crenças insustentáveis produziram uma prática de mutilação cultural (...)".

Diante do que foi dito gostaria que você pensasse sobre os aspetos relacionados abaixo:

  • Os modos de falar o português se distinguem na sua força de expressão?
  • A serviço e em nome do que a norma culta foi eleita e imposta como a única correta e superior aos outros modos de fala?
  • Os modos de falar, dadas suas pecularidades inviabilizam as relações estabelecidas entre as pessoas?
  • Qual é a função da "língua dos gramáticos"?
  • Por quantos povos e por quantas línguas e modo de fala nosso país foi e é constituído?
  • Como lidar com as variedades linguísticas existentes no Brasil?
Feita a pesquisa e as discussões escolha um ou mais itens e deixe um comentário do tipo dissertativo-argumentativo elencando uma ou mais ideias em no máximo 10 linhas.

Abraços,

Atanael