sábado, 4 de junho de 2011

Liberdade para voar - a Gabriel M. e a outros queridos e autênticos alunos


Caros amigos,

Hoje, 04 de junho, dia de meu aniversário de 35 anos, resolvi me dar um presente. Fiz uma releitura de um conto que havia lido uma vez que fiz um curso de contação de histórias com a Dra Sueli Cagnetti, e que tem como título Tempo de Mudar. Este conto está no livro Tempo de Histórias, de Daniel Munduruku. O conto é autobiográfico, e fala de uma experiência do autor que é índio, mas que se formou professor na cidade, com a missão de ensinar a liberdade para seus estudantes. Ensinar a liberdade dos índios na escola dos brancos não significa o mesmo que ensinar a ser índio. Munduruku academizado ensinou a seus alunos a liberdade dos homens por meio da expressão, da fala, da escrita. Mas nesse conto ele relata o momento em que chegou a hora de se despedir da escola e dos alunos: "Nunca pensei que fosse tão difícil ser educador. Não tanto pelos alunos, mas especialmente pela estrutura educacional ser sempre muito conservadora e não permitir mudanças. E educar jovens requer irreverência, acolhida e dedicação. Esses três elementos se confundem no cotidiano do verdadeiro educador, mas também o realizam". Quando Munduruku anuncia aos alunos a sua saída da instituição, anuncia-se também uma revolta, sendo que muitos de seus estudantes o acusam de covarde. Mas depois de 30 dias, no último dia seu na escola, os alunos lhe preparam uma surpresa: " [...] todos meus alunos estavam pintados, uns no rosto, outros nos braços, meninas com saias de palha, rapazes com maracás em punho, cocares nas cabeças. Chegaram entoando um canto, um lamento. Dirigiram-se ao centro da escola, um pátio circular. [...] Os jovens se assentavam em círculo. Todas as classes da escola vieram ver a cena. [...] no meio da roda o jovem Helder se posicionou. Trazia uma pintura muito bem delineada no corpo. Estava sério. Olhou para todos os colegas e fixou seu olhar em mim. Fiquei espremido com aquele olhar. [...] Helder falou em voz alta para nós: - Hoje é um dia de luto para nós. De luto e de luta. Temos ouvido falar muita coisa sobre a liberdade do outro. Dizem que é saber fazer o bem ou escolher o mal. Isto é ser livre, dizem. Mas será que isso é verdade? Será que alguém pode ser realmente livre? Alguém pode ser livre quando fala de uma estrutura caduca como a escola ou como o Estado ou como a política? Não. Ninguém pode ser livre. E sabem por quê? [...] Certamente não sabem o porquê. A resposta, porém é simples: porque somos escravos das estruturas que criamos e ninguém pode ser livre se se depende dessas mentalidades escravagistas que nossa sociedade possui. Mas há uma modalidade de liberdade que não pode nunca ser tirada das pessoas: a liberdade que mora em nosso pensamento. [...] Hoje estamos tristes porque uma pessoa que nos ensinou a ser livres foi mais uma vítima das estruturas impostas a todos nós. E talvez tenha sido vítima de seu próprio pensamento libertador. Ele nos ensinou a ser livres, pois vive sua liberdade. A ele queremos homenagear com nossa pintura corporal e com nosso canto de guerra e lamento. Caro professor, leve com você nossa gratidão eterna. Hoje somos homens e mulheres livres, graças a sua liberdade. Levaremos conosco, para sempre, as histórias que você nos contou durante nossos encontros. A sabedoria do seu velho avô que virou nosso avô também e nos tornou participantes dos caminhos do universo". O conto e todo o livro é de uma beleza imensa, fala muito de memória, de memória coletiva que este índio-professor levou para os seus alunos ao professar a mensagem dos povos da floresta. Vale à pena ler, mas antes gostaria de explicar-lhes a razão pela qual o escolhi para aqui descrevê-lo. A primeira razão tem a ver com a minha indignação no que diz respeito à maneira como estão sendo tratados nossos professores e toda a educação em  Joinville, em Santa Catarina e em todo o Brasil. A segunda questão diz muito respeito a um vídeo que tive o privilégio de assistir, e que fala sobre a construção da usina de Belo Monte, Xingu. O vídeo é um grito de guerra dos nossos irmãos índios, que contra-argumentam a construção da usnina, prometida pelo governo do PT, e que afetaria a cultura dos nossos índios, assim como implicaria em seu auto-sustento. O que mais  me indigna nesse corpo de Atanael é a indiferença social, mas nesse caso sinto ainda maior indignação pelo fato de ninguém desse governo branco os escutor, ainda o tratam como bichos, como os portugueses que aqui desenbarcaram em 1500. Mas a razão que calou forte em mim, não posso negar, foi quando um aluno entrou em meu blog e elogiou a maneira como me relaciono com meus seguidores. Ele sugeriu que eu deveria também agir do mesmo modo em sala de aula. Fiquei pensando: há um tempo atrás eu encantava meus alunos... sei que os tempos mudaram, e em tempo de hipertextos e hipermídia, ensinar literatura e redação não tem sido uma tarefa tão fácil, principalmente quando as estruturas educacionais mais atrapalham que ajudam. Mas refleti muito sobre o que ele assinalou-me, na verdade doeu-me bastante, e só suportei porque entendi que chegou a hora de mudar, de entender que o período de pós-modernidade, na qual vivemos, não permite que demos conta de tudo. Talvez, tenha chegado o meu tempo de emigrar da sala de aula, talvez a própria estrutura educacional não tenha mais permitido que eu seja realmente eu mesmo, como o sou aqui neste blog. Aqui sou livre, porque falo o que penso e da maneira que quero. Quero que meus estudantes, tal qual os de Daniel Munduruku, sejam livres, mas para o ser, é necessário ler, escrever, buscar... Eu me sinto livre aos 35 de idade, graças a Deus que guiou meus caminhos, graças aos livros que iluminaram minha mente. Talvez nunca o serei como um índio ou como uma águia, mas posso ensinar o caminho para a liberdade a outros, além disso, o sou para mim, e isso me basta.

RESSALVAS:
Sobre a liberdade, gostaria de indicar um filme chamado Pelle, o conquistador. É uma produção sueco-dinamarquesa, digna de estupores (deixo o link abaixo).

Deixo também alguns vídeos relacionados ao que tratei aqui. Mas, principalmente a sugestão para ler o livro de contos indígenas Tempo de Histórias, de Daniel Munduruku.

Abraços,

Atanael

Povos do Xingu contra a construção de Belo Monte:
http://www.youtube.com/watch?v=ZmOozYXozb8

Depoimento da professora Amanda Gurgel:
http://www.youtube.com/watch?v=yFkt0O7lceA

Trailler do filme Pelle, o conquistador:
http://www.youtube.com/watch?v=h7eK8nzVMD8

3 comentários:

  1. E agora por onde começar, vamos la então.
    Primeiramente eu quero lhe dar os parabens, pelo seu aniverssario.
    Agora quero falar um pouco sobre o assunto,como voce falou em outro texto sobre o crecimento de joiville, joinville esta crescendo e o Brasil tambem,
    mas nunca pensei que poderiamos chegar a esse de destruirmos com a nossa primeira cultura, a que originou todas as outras, devemos refletir muito sobre isso ,se nós nos unir , poderiamos acabar com isso , mas muitas pessoas não se emportam hoje mas sentiram falta no futuro,pois a nossa cultura se origina da deles e se a deles acabar ,muitas coisas da nossa cultura tambem pode ser esquecida.
    E muito bom e inspirador ,você juntar aquilo que voce ama, que é a literatura com esse assunto tão importante.
    Muito bom o seu texto.
    Estou sempre acompanhando o seu blog continue postando.

    Gabriel A. Michalski Em 211
    Sociesc

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  2. Olá professor Atanael,
    Realmente tens razão quando diz que encantava teus alunos. Tive aula pela primeira vez na oitava série com o professor e até hoje tenho suas aulas e o que aprendi com você como inspiração. E atribuo ao professor, em parte, a minha vontade de continuar escrevendo. (Obrigada por isso.)
    Você também tem razão quando diz que a educação no Brasil está mudada. Os professores não tem mais a liberdade de antes, "o sistema", vamos chamar assim, agora controla também as escolas e isso mudou a forma de ensinar. Perdeu-se o espaço para debates e discussões. Perdeu-se a liberdade. Mas acredito que o mais importante é que acreditemos que somos livres. Acreditar e desejar são armas poderosas que fazem as coisas se tornarem realidade. Só temos que aprender a usá-las com sabedoria.
    Abraços
    Jenny

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  3. " Liberdade- algo que é do íntimo das pessoas; não depende de um ou de outro, mas de seu interior, só Você responde por Você. É difícil falar sobre isso, porém, MESTRES como Você não mudam, mas sim aperfeiçoam sua metodologia e conhecimento; as pessoas e as gerações separam- te talvez da juventude que não pode ver a realidade tal como ela é, pois o conhecimento representa perigo, e em uma sociedade onde o Professor não tem vez e voz, talvez ter uma juventude revolucionária não seja algo positivo. Acredito que pessoas como Você são os 'Sócrates' da atualidade(incitam juventude a revolução).
    Portanto, não deves se preocupar com a verdade, pois sua liberdade embora seja 'forjada' pelo estado, ela É SUA, e ninguém irá tirá- la de Você. MESTRES não tem medo de falar, e falam com pressupostos e subentendidos, e é verdade que nem todos entendem, mas estes são os que estão mais alienados a este mundo."
    (J.F)

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