sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Manoel de Barros: Só dez por cento é Mentira



Meus amigos,

Assisti outro dia um documentário biográfico a respeito do poeta Manoel de Barros, Só Dez por cento é mentira, e me encantei. Não que eu não conhecesse o poeta e a sua arte no uso da palavra, no fazer poesia, mas mexeu comigo a simplicidade desse homem que precisa de tão pouco para ser feliz. Manoel de Barros precisa ser visitado e revisitado por todos nós. Seu discurso é único: sensível e divertido. Acho que enquanto Deus criava o homem teve a grande ideia de reservar o melhor “barro” para a construção de um deles. O agraciado foi ele: o Manoel. Mas também, Deus lembrou de todos nós que bebendo da poesia deste homem sentimos-nos leves para levar adiante todos os nossos anseios, acreditando também que a vida não é somente feita daquilo que é aparente. Quem tiver interesse em conhecer um pouco da obra deste autor, aconselho que assistam ao documentário citado no início deste parágrafo, e que pode ser encontrado no site acervonacional.blogspot.com. De início, deixo para vocês um cadinho da obra do Manoel.
Abraços,
Atanael

Soberania
Manoel de Barros
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.


Texto extraído do livro (caixinha) "Memórias Inventadas - A Terceira Infância", Editora Planeta - São Paulo, 2008, tomo X, com iluminuras de Martha Barros.

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